domingo, 12 de abril de 2015

Isto tudo: como esventrar uma terra



Ou, se quizermos, o que a ignorância e a maldade podem fazer. Ou, como uma administração pública faz de conta que existe. Ou, se formos especialmente bondosos, como  é importante nestas alturas ter compaixão para com quem faz isto. Ou, como uma sociedade destroi por meio duzia de patacos o que levou milhares de anos a construir. Ou, o mais provável e acertado titulo: Como é que isto tudo nos pode acontecer.

As imagens acima foram retiradas numa pequena propriedade florestal, a menos de 5 quilometros do mosteiro da Batalha, património da humanidade, À beira de uma estrada nacional desclassificada que poderia servir de trajecto a quem quisesse visitar a Nazaré a cerca de meia hora de distância.

Parece mentira de tão idiota, mas é mesmo verdade. Enquanto a CNN dá honras de abertura aos incríveis pontos de interesse da zona centro o nosso país, os locais, aqueles que mais deveriam amar a sua terra, entretêm-se durante um sábado de Primavera a esventrar terra para plantar eucaliptos. Não é preciso ter qualquer espécie de formação avançada para perceber facilmente que isto é simplesmente uma estupidez e uma maldade gananciosa.

Nao faz sentido um país querer promover o seu território quando depois no terreno isto acontece consecutiva e sistematicamente. Eufemisticamente, estes trabalhos armados de maquinaria pesada são apelidados pela lei de lavras florestais. Estão proibidas por lei e carecem de autorização. Mas em Portugal as leis não são para cumprir. São apenas um recurso dado á administração publica, que as pode evocar, tipo cartas do Magic, discrecionariamente, se lhes apetecer arreliar algum privado menos subserviente.

Como são proibidas, os particulares escolhem a calmaria fiscalizadora dos Sábados á tarde para fazerem o que querem. E se forem visitados pelo serviço de protecção de Natureza da GNR não se passa nada nem há problema nenhum. Recebe-se a notificação e continuam-se os trabalhos. Daí a alguns dias é um facto consumado. Toda a gente o faz, portanto é apenas mais um caso entre tantos. E Àmen.

Mas olhar para isto desta maneira, com a indiferença conveniente e com as mil e uma desculpas da praxe, é, apesar das devidas distâncias, pouco menos grave do que o Estado Islamico faz nos sítios arqueologicos do Iraque e da Siria. É maldade vestida de ignorancia.

Na região de Leiria-Marinha-Batalha a elite de serviço anda por esta altura nos jornais a tecer loas e estudos sobre o quão fantastico é a Mata Nacional de Leiria e a urgência em declará-la Patrimonio da Humanidade. Uma coisa que não fizeram, para a qual não contribuiram, que tem perto de 800 anos e que até  nem precisa deles para nada. Uma "elite" de serviço que não tece uma linha sobre o que poderiamos estar a fazer hoje e agora para provar ao mundo que o Pinhal de Leiria é de facto inspirador da nossa forma de estar e de viver. E que por isso merece ser patrimonio da humanidade e nós guardiões dele. Património da humanidade é isso. Mais do que um galardão é uma enorme responsabilidade que assumimos perante os outros 8,5 bilipoes de seres humanos e para a qual nos achamos à altura.

Como é evidente será uma candidatura para programas infindos de beberetes e cerimónias de entronizaçao de egos. Candidatura ridicula pois quem nos visita não é parvo e constata bem e depressa que esta eucaliptização é uma burrice maldosa e imbecil orquestrada e permitida por outros alguéns.

É certo que o tema da eucaliptizaçao justifica por si só e já hoje inúmeros blogues, associações, tomadas de posição e activismos de muitas pessoas. E não é por escrevermos o que escrevemos aqui que a realidade irá mudar. Podiamos concentrar-nos só nas sementinhas e tentar levar a nossa vidinha até bom porto. Mas não somos capazes. Se servirmos para alertar e inspirar mais alguns já ficamos contentes.

As Sementes de Portugal são um infinitamente pequeno-micro-projecto que se quer empresarial. Mas a premência de sobrevivermos, de termos uma boa aceitação e sermos economicamente viáveis não são uma desculpa conveniente para que olhemos para o lado e sejamos acriticos, apoliticos ou indiferentes e que nos foquemos exclusivamente no "business as usual". MUITO PELO CONTRARIO. Não prescindimos de um grão dos nossos direitos e obrigaçoes Éticas e Politicas decorrentes da nossa cidadania. No dia em que acharmos que é melhor não falar, porque isso pode prejudicar os nossos negócios, iremos certamente preferir mudar de vida.

Abaixo deixamos uma foto de algumas das dezenas de espécies vegetais, suporte de um ecossistema, que existiam no sitio que agora se esventra e que ainda se podem ver no pinhal ao lado. Os netos dos que esventraram esta terra não as irão poder ver no eucaliptal que herdarem. Éles que lhes perdoem! Nós não.


2 comentários:

  1. Olá João,
    Terríveis noticias estas, faço minhas as suas palavras. O pior é a impotência perante a indiferença e os atropelos que todos os dias vemos e ouvimos. Este pais continua uma selva em que a ignorância e a ganância dos "chico-espertos" os tornam mais fortes. Vendem a alma ao diabo por meia dúzia de patacos mas quando morrerem têm de cá deixa tudo, dinheiro e atitudes. As pegadas que deixam, são de morte e destruição.
    Abraço

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  2. Viva João

    No aspecto turístico, que é secundário ao ecológico, pode considerar-se isto como matar a galinha dos ovos de ouro. Mas tal não é de admirar ou não tivessem sido os eucaliptos considerados por um ministro (doutro Governo) como o nosso petróleo verde!

    Abraço
    Paulo

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