quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Murta, dois palácios e uma amante


E à oitava espécie que revisitamos, destacamos hoje a Murta. E fazêmo-lo ma vez mais sob suspeita pois dos arbustos da nossa flora nativa é o nosso preferido. Não só por ser uma planta de inegáveis qualidades e poucas exigências, mas sobretudo por ser o exemplo perfeito de uma planta que, outrora profusamente apropriada pelos nossos antepassados, quase caiu no esquecimento, existindo hoje poucos que a consigam identificar de forma imediata.

O que não tem justificação alguma, pois a Murta encontra-se de olhos fechados. Basta ter o nariz atento ao aroma laranja/limonado das suas folhas, as quais, entre outras aplicações, substituem com sucesso as folhas de louro na aromatização dos mais variados pratos. Isto para não falar das aplicações medicinais ou das muitas utilizações que os povos do mediterrâneo deram às suas bagas - os murtinhos, na confecção de licores, por exemplo.

Este arbusto, que pode crescer até aos 3 metros e que se encontra praticamente em todo o centro e sul de Portugal, pode todavia gabar-se que mesmo não sendo conhecido se ostenta todos os dias sem o sabermos em centenas de topónimos: Murteira, Murtão, Murtosa, entre outros, são apenas alguns exemplos que se desmultiplicam seguramente em largas dezenas de localidades do nosso país. Mas isto sendo muito é apenas uma pequeníssima parte.

A Murta era, como tínhamos descoberto AQUI, uma planta sagrada para Gregos e Romanos que a plantavam junto aos templos consagrados a Vénus, simbolizando a Paz, o Amor e a constância. E se isto era transversal a toda a bacia mediterrânica também o foi por cá até bastante tarde.

Atendendo aos resultados de uma pesquisa rápida no google, é seguro afirmar que até aos anos 30 do século XVIII, a Murta ainda era foi nós um reconhecido símbolo de Amor, Pelo menos para D. João V que a D. Luísa Clara de Portugal, aia da rainha e sua amante favorita, não viu melhor cognome do que "Flor da Murta". É sabido que D. João V teve inúmeras amantes, mas a poucas terá escrito o que abaixo transcrevemos copiado da página de FB Lisboa de antigamente, e cuja foto partilhamos:
«Cantiga à Flor da Murta


Oh! Flor da Murta

Raminho de freixo,
Deixar d' amar-te
É que t' eu não deixo.



Morrer sim

Mas deixar-te não.
Oh! Flor da Murta
Amor do meu coração.



Oh! Flor da Murta

Do meu coração,
Deixar d' amar-te
Ai não deixo, não.»



(D. João V, atrib.) 

(Alice Lázaro, «Luísa Clara de Portugal - A Flor da Murta, Biografia (1702-1779)», Chiado Editora, Portugal 2012)
Uma historia apaixonante e que nos legou ainda dois palácios com o nome da Flor da Murta: Um em Lisboa, na R. dos Poços dos Negros e outro, na Terrugem- Oeiras.

 E se o móbil principal deste post  deveria ser o devender sementes de Murta, que as temos frescas e prontas a germinar, compreendemos perfeitamente que existam namorados com urgência em querer celebrar já o próximo dia 14 com uma Murta feita e sem qualquer hipótese de erro de germinação. Para isso nada como contactar com a Flor de Murta, um projecto-viveiro que também se dedica à flora autóctone de Portugal, que lhe tomou o nome e que a elegeu como a planta em promoção no mês de Fevereiro.

Em semente, ou em vaso, o importante é mesmo pois ter (pelo menos) uma Murta por perto e à mão de cheirar!

A Flor de Murta - D.Luisa Clara de Portugal
(Alice Lázaro, «Luísa Clara de Portugal - A Flor da Murta, Biografia (1702-1779)», Chiado Editora, Portugal 2012)

Adenda e correcção - Como é sabido, as "pesquisas na internet" têm os seus perigos em matéria de rigor e podem induzir em erro. E neste texto induzimos num sem o querer. Na realidade a D. Luisa Clara de Portugal não ficou conhecida por a " Flor da Murta" devido ao envolvimento amoroso com D. Joao V mas sim por antes disso ser casada com D. Jorge de Meneses, senhor da Casa de Alconchel, também conhecida como da "Flor da Murta". É essa ao que parece a origem do nome dos dois palácios que tomaram o nome da casa dos seus senhores. O seu envolvimento com D. João V, a par da sua beleza, fazem dessa coincidência com a simbologia da Murta uma história ainda mais deliciosa. Ou trágica, se considerarmos a perspectiva de D. Jorge de Meneses, traído pelo seu rei e pela sua esposa.

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